Manuel Maria Barbosa du Bocage nasceu em 15 de setembro de 1765, na cidade de Setúbal, Portugal. Desde jovem, Bocage demonstrou muito talento para a poesia e um espírito inquieto. Em casa, ele recebeu lições de Português, Latim e Francês. A mãe dele morreu quando ele tinha apenas 10 anos de idade. Aos 14 anos, ingressou na Marinha, viajando pelo Brasil, Goa e Macau.
Os poemas de Bocage, a poesia bocageana, são baseados em sua confissão dolorosa de uma vida que, presa às convenções, busca libertar-se projetando o ‘eu” para fora de si.
Listo 10, apenas, de seus melhores poemas:
Praça Bocage em Setúbal, Portugal.
1. Que pode contra Amor a Tirania?
Debalde um véu cioso, ó Nise, encobre
Intactas perfeições ao meu desejo;
Tudo o que escondes, tudo o que não vejo
A mente audaz e alígera descobre.
Por mais e mais que as sentinelas dobre
A sisuda Modéstia, o cauto Pejo,
Teus braços logro, teus encantos bejo,
Por milagre da idéia afoita e nobre.
Inda que prêmio teu rigor me negue,
Do pensamento a indômita porfia
Ao mais doce prazer me deixa entregue.
Que pode contra Amor a tirania,
Se as delícias, que a vista não consegue,
Consegue a temerária fantasia?
2. “Nada se pode comparar contigo”
O ledo passarinho, que gorjeia
D’alma exprimindo a cândida ternura;
O rio transparente, que murmura,
E por entre pedrinhas serpenteia;
O Sol, que o céu diáfano passeia,
A Lua, que lhe deve a formosura,
O sorriso da Aurora, alegre e pura,
A rosa, que entre os Zéfiros ondeia;
A serena, amorosa Primavera,
O doce autor das glórias que consigo,
A Deusa das paixões e de Citera;
Quanto digo, meu bem, quanto não digo,
Tudo em tua presença degenera,
Nada se pode comparar contigo.
3. Já Bocage não sou
Já Bocage não sou! . . . à cova
escura Meu estro vai parar desfeito em vento…
Eu aos Céus ultrajei! O meu tormento
Leve me torne sempre a terra dura.
Conheço agora já quão vã figura
Em prosa e verso fez meu louco intento.
Musa! . . . Tivera algum merecimento,
Se um ralo da razão seguisse, pura!
Eu me arrependo; a língua quase fria
Brade em alto pregão à mocidade,
Que atrás do som fantástico corria:
“Outro Aretino fui. . . A santidade Manchei. . .
Oh!, se me creste, gente ímpia,
Rasga meus versos, crê na Eternidade!”
4. Perdi tudo (ai de mim!), perdi Marfida
Perdi tudo (ai de mim!), perdi Marfida
Marfida, a glória minha, a minha amada:
Tenra flor, a esperança malograda
Do mimoso matiz caiu despida.
Pede meu coração mortal ferida;
Só aos ditosos a existência agrada.
Vida entre angústias equivale ao nada;
No risonho prazer consiste a vida.
Eia, amante infeliz, teu fim procura!
Fantástico terror não te reporte;
Nos túmulos não reina a Formosura.
Diga triste letreiro a minha sorte;
Dai-me piedosa sombra à sepultura,
Teixos, ciprestes, árvores da Morte.
5. Incultas produções da mocidade
Incultas produções da mocidade
Exponho a vossos olhos, ó leitores.
Vede-as com mágoa, vede-as com piedade.
Que elas buscam piedade e não louvores.
Ponderai da Fortuna a variedade
Nos meus suspiros, lágrimas e amores;
Notai dos males seus a imensidade,
A curta duração dos seus favores.
E se entre versos mil de sentimento
Encontrardes alguns, cuja aparência
Indique festival contentamento,
Crede, ó mortais, que foram com violência
Escritos pela mão do Fingimento,
Cantados pela voz da Dependência.
6. Meu frágil coração, para que adoras
Meu frágil coração, para que adoras
Para que adoras, se não tens ventura?
Se uns olhos, de quem ardes na luz pura,
Folgando estão das 1ágrimas que choras?
Os dias vês fugir, voar as horas,
Sem achar neles a menor ternura;
E inda a louca esperança te figura
O prémio dos martírios que devoras!
Desfaz as trevas dum funesto engano,
Que não hás-de vencer a inimizade
De um gênio contra ti sempre tirano.
A justa, a sacrossanta divindade
Não força, não violenta o peito humano,
E queres constranger-lhe a liberdade?!
7. A morte para os tristes é ventura
GLOSANDO O MOTE:
Quem se vê maltratado e combatido
Pelas cruéis angústias da indigência,
Quem sofre de inimigos a violência,
Quem geme de tiranos oprimido;
Quem não pode, ultrajado e perseguido,
Achar nos Céus ou nos mortais clemência,
Quem chora finalmente a dura ausência
De um bem que para sempre está perdido,
Folgará de viver, quando não passa
Nem um momento em paz, quando a amargura
O coração lhe arranca e despedaça?
Ah!, só deve agradar-lhe a sepultura,
Que a vida para os tristes é desgraça,
A morte para os tristes é ventura.
8. Para as sombras da Morte aqui me ensaio
Para as sombras da Morte aqui me ensaio
Na habitação da culpa e do desdoiro;
Lendo no mal presente o mal vindoiro,
Aqui choro, aqui tremo, aqui desmaio.
Por imagens fatais a ideia espraio,
Negreja numa e noutra infausto agoiro;
Febo! Ó Febo! Ai de mim! Teu sacro loiro
A fronte não me escuda contra o raio.
Sou vítima de aspérrima violência,
Sem ter quem dos meus males se lastime,
Neste horrível sepulcro da existência.
Mas peso dos remorsos não me oprime:
A sussurrante, a vil Maledicência
De erros dispersos me organiza o crime.
9. Quando Anália, o meu bem, que o Céu namora
Quando Anália, o meu bem, que o Céu namora,
Meigo sorriso de outro céu desprende,
Geme, e o que é vida num gemido aprende
Peito que amor e que existência ignora.
Quando Anália, o meu bem, suspira ou chora,
A doce mágoa doce fogo acende;
Na estância divinal com Jove entende,
Quase tenta imporá-la o ser que implora.
Sente um Deus como sente a Natureza
Aquela em cujos dons adorno o canto,
Aquela que a meus versos dá grandeza;
Mas (se posso antepor encanto a encanto)
Amo-lhe o riso, adoro-lhe a tristeza;
De Vênus a chorar tal era o pranto!
10. Camões, grande Camões, quão semelhante
Camões, grande Camões, quão semelhante
Acho teu fado ao meu, quando os cotejo.
Igual causa nos fez, perdendo o Tejo
Arrostar co’o sacrílego gigante:
Como tu, junto ao Ganges sussurrante,
Da penúria cruel no horror me vejo;
Como tu, gostos vãos, que em vão desejo,
Também carpindo estou, saudoso amante.
Ludíbrio, como tu, da Sorte dura
Meu fim demando ao Céu, pela certeza
De que só terei paz na sepultura.
Modelo meu tu és, mas… oh, tristeza!…
Se te imito nos transes da Ventura,
Não te imito nos dons da Natureza.