5 Melhores poemas de João Cabral de Melo Neto

João Cabral de Melo Neto (1920-1999) é considerado um dos maiores poetas da literatura do Brasil, famoso por sua linguagem direta, rigor formal e temas fortemente vinculados à realidade social e cultural do país. Ele nasceu em Recife, Pernambuco, no dia 9 de janeiro de 1920, em uma família marcada pela forte vocação artística, sendo primo do dramaturgo Ariano Suassuna e do escritor Manuel Bandeira.

João Cabral, além de poeta, construiu uma extensa trajetória como diplomata, passando por diversos países, incluindo Espanha, França e Senegal. Essa vivência internacional influenciou tanto a sua perspectiva de mundo quanto a sua produção artística, aprimorando seus tópicos e métodos.

 

LIVROS

 Primeiros poemas, 1937-1940,

Pedra do Sono, 1942;

Os três mal-amados, 1943;

O Engenheiro, 1945;

Psicologia da Composição com a Fábula de Anfion e Antiode, 1947;

O Cão Sem Plumas, 1950;

O rio, 1953;

Paisagens com figura, 1954-1955

Morte e Vida Severina, 1955;

Uma faca só lámina, 1955

Dois Parlamentos, 1958;

Quaderna, 1960;

Serial, 1959-1961

A Educação pela Pedra 1966;

Museu de Tudo, 1975;

A Escola das Facas, 1980;

Auto do Frade, 1984;

Agrestes, 1985;

Sevilha Andando, 1990;

Crime na Calle Relator, 1995.

 

2. Tecendo a manhã

Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.

 

E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.

 

2. Morte e Vida Severina

— O meu nome é Severino,
como não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria;
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias.
Mas isso ainda diz pouco:
há muitos na freguesia,
por causa de um coronel
que se chamou Zacarias
e que foi o mais antigo
senhor desta sesmaria.
Como então dizer quem fala
ora a Vossas Senhorias?
Vejamos: é o Severino
da Maria do Zacarias,
lá da serra da Costela,
limites da Paraíba.
Mas isso ainda diz pouco:
se ao menos mais cinco havia
com nome de Severino
filhos de tantas Marias
mulheres de outros tantos,
já finados, Zacarias,
vivendo na mesma serra
magra e ossuda em que eu vivia.
Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas,
e iguais também porque o sangue
que usamos tem pouca tinta.
E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte,
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte Severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).
Somos muitos Severinos
iguais em tudo e na sina:
a de abrandar estas pedras
suando-se muito em cima,
a de tentar despertar
terra sempre mais extinta,
a de querer arrancar
algum roçado da cinza.

 Ouça o poema:  https://www.youtube.com/watch?v=4s4Qa6D-dYg

 

3. O Cão Sem Plumas

A cidade é passada pelo rio
como uma rua
é passada por um cachorro;
uma fruta
por uma espada.

O rio ora lembrava
a língua mansa de um cão
ora o ventre triste de um cão,
ora o outro rio
de aquoso pano sujo
dos olhos de um cão.

Aquele rio
era como um cão sem plumas.
Nada sabia da chuva azul,
da fonte cor-de-rosa,
da água do copo de água,
da água de cântaro,
dos peixes de água,
da brisa na água.

Sabia dos caranguejos
de lodo e ferrugem.

Sabia da lama
como de uma mucosa.
Devia saber dos povos.
Sabia seguramente
da mulher febril que habita as ostras.

Aquele rio
jamais se abre aos peixes,
ao brilho,
à inquietação de faca
que há nos peixes.
Jamais se abre em peixes.

 

4. A Educação pela Pedra

Uma educação pela pedra: por lições;
Para aprender da pedra, frequentá-la;
Captar sua voz inenfática, impessoal
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
Ao que flui e a fluir, a ser maleada;
A de poética, sua carnadura concreta;
A de economia, seu adensar-se compacta:
Lições da pedra (de fora para dentro,
Cartilha muda), para quem soletrá-la.

 

Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
E se lecionasse, não ensinaria nada;
Lá não se aprende a pedra: lá a pedra,
Uma pedra de nascença, entranha a alma.

 

5. Catar feijão, 1965

Catar feijão se limita com escrever:
Jogam-se os grãos na água do alguidar
E as palavras na folha de papel;
e depois, joga-se fora o que boiar.
Certo, toda palavra boiará no papel,
água congelada, por chumbo seu verbo;
pois catar esse feijão, soprar nele,
e jogar fora o leve e oco, palha e eco.

 

Ora, nesse catar feijão entra um risco,
o de que, entre os grãos pesados, entre
um grão imastigável, de quebrar dente.
Certo não, quando ao catar palavras:
a pedra dá à frase seu grão mais vivo:
obstrui a leitura fluviante, flutual,
açula a atenção, isca-a com risco.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima