O AMOR NO “BREJO DAS ALMAS” DE DRUMMOND

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

O poeta nasceu em Itabira em 1902 e faleceu em 1987 no Rio de Janeiro. Escreveu, dentre muitos outros, os livros de poesia Alguma Poesia (edições Pindorama, 1930), Sentimento do mundo (Pongetti, 1940), A Rosa do Povo (José Olympio, 1945), Claro Enigma (José Olympio, 1951) e Boitempo (Sabiá, 1968). É um dos mais influentes poetas brasileiros do século XX.

 

BREJO DAS ALMAS 

 Brejo das Almas é o titulo do livro de Drummond e ao mesmo tempo, o nome de uma cidade mineira. O poeta fala sobre essa cidade na epigrafe do livro:

 

Brejo das Almas é um dos municípios mineiros onde os cereais são cultivados em maior escala. Sua exportação é feita para os mercados de Montes Claros e Belo Horizonte. Há também grande exportação de toucinho, mamona e ovos. A lavoura de cana-de-açúcar tem se desenvolvido bastante. Ultimamente, cogita-se da mudança do nome do município, que está cada vez mais próspero. Não se compreende mesmo que fique toda a vida com o primitivo: Brejo das Almas, que nada significa e nenhuma justificativa oferece. D’A Pátria, 6-VIII-1931

 

Brejo das Almas foi o nome de uma cidade que hoje se chama Francisco Sá, no estado de Minas Gerais. O nome Brejo das Almas vigorou de 1923 a 1938. Em 1867, o local passou a ser chamado de São Gonçalo do Brejo das Almas, e tornou-se distrito de Montes Claros. Em 1923, foi elevado à categoria de município com o nome de Brejo das Almas.  Em 1938, a cidade passou a se chamar Francisco Sá, em homenagem ao engenheiro Francisco de Sá, que foi ministro da Viação e Obras Públicas.

 

O AMOR NO BREJO

             O livro retrata o mal-estar e os conflitos do poeta com os dilemas existenciais de sua geração e de seu tempo. O poeta começa o livro dizendo que tudo estava bêbedo, o poeta, as casas…

 

Tudo era irreparável!

Ninguém sabia que o mundo ia acabar…

José, que colocava pronomes,

Helena, que amava os homens,

Sebastião, que se arruinava,

Artur, que não dizia nada,

embarcam apara a eternidade…

 

O poeta mostra seu desprezo para com a vida e a realidade dura de que hoje estamos aqui, amando ou não fazendo nada, e o trem da eternidade está nos esperando para o fim. No poema Soneto da perdida esperança, o poeta volta ao tema: “Perdi o bonde e a esperança. / Volto pálido para casa. / A rua é inútil e nenhum auto / passaria sobre meu corpo”.

 

Como é maravilho o amor

(o amor e outros produtos).

Dançai, meus Irmãos!

A morte virá depois

como um sacramento.

 

O poeta de Itabira parece concordar com o Sábio do Eclesiastes (8.15-17), quando este diz: “Por isso, estou convencido de que devemos nos divertir porque o único prazer que temos nesta vida é comer, beber e nos divertir. Podemos fazer pelo menos isso enquanto trabalhamos durante a vida que Deus nos deu neste mundo. Todas as vezes que tentei me tornar sábio e entender o que acontece neste mundo, compreendi que a gente pode ficar acordado dia e noite e mesmo assim nunca será capaz de entender o que Deus faz. Por mais que a gente se esforce, nunca entende. Os sábios podem dizer que conseguem compreender, mas na verdade eles também não entendem”.

 

Ao contrário dos românticos, Drummond não idealiza o amor. Ele fala do amor como algo totalmente humano, falho, mas ainda assim essencial, mesmo quando está marcado pela solidão ou pelo desencanto. No poema, O amor bate na aorta, ele afirma:

 

o amor, seja como for,

é o amor.

 

Poema Patético, um poema que é um retrato da crueza da vida, o poema começa com um barulho que vai ressoar por todo os versos. Que barulho é esse? É amor que está acabando, afirma ele. Leia o poema:

 

Que barulho é esse na escada?

É o amor que está acabando,

é o homem que fechou a porta

e se enforcou na cortina.

 

Que barulho é esse na escada?

É Guiomar que tapou os olhos

e se assoou com estrondo.

É a lua imóvel sobre os pratos

e os metais que brilham na copa.

 

Que barulho é esse na escada?

É a torneira pingando água,

e o lamento imperceptível

de alguém que perdeu no jogo

enquanto a banda de música

vai baixando, baixando de tom.

 

Que barulho é esse na escada?

É a virgem com um trombone,

a criança com um tambor,

o bispo com uma campainha

e alguém abafando o rumor

que salta de meu coração.

 

O poeta, em seus versos, destaca a inquietação e sua angustiante percepção do mundo ao seu redor, especialmente no que diz respeito ao amor, à morte e à vida cotidiana. O amor está acabando, a porta está fechando, a torneira que não para de pingar, ele está perdendo no jogo, e os rumores de seu coração estão sendo silenciados. É o lamento da vida se esvaindo.

 

Contudo, o poeta finaliza com um poema de consolo, ironia e de como deve ser encarado a dureza da vida. Ele relativa o amor. Aconselha Carlos a se aquietar, sossegar. ‘É inútil resistir’, a vida é efêmera, aproveite o hoje e o amanhã depois se vê.

 

            Não se mate

 

Carlos, sossegue, o amor
é isso que você está vendo:
hoje beija, amanhã não beija,
depois de amanhã é domingo
e segunda-feira ninguém sabe
o que será.

 

Inútil você resistir
ou mesmo suicidar-se.
Não se mate, oh não se mate,
reserve-se todo para
as bodas que ninguém sabe
quando virão,
se é que virão.

 

O amor, Carlos, você telúrico,
a noite passou em você,
e os recalques se sublimando,
lá dentro um barulho inefável,
rezas,
vitrolas,
santos que se persignam,
anúncios do melhor sabão,
barulho que ninguém sabe
de quê, pra quê.

 

Entretanto você caminha
melancólico e vertical.
Você é a palmeira, você é o grito
que ninguém ouviu no teatro
e as luzes todas se apagam.
O amor no escuro, não, no claro,
é sempre triste, meu filho, Carlos,
mas não diga nada a ninguém,
ninguém sabe nem saberá.

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