Gregório de Matos Matos (1636 – 1696), conhecido como Boca do Inferno, obteve o título de doutor em direito in utroque pela Universidade de Coimbra. A sua obra literária incluía poemas líricos, devocionais e satíricos. Em sua poesia, havia críticas às autoridades coloniais, desprezo pelos mestiços, desejo pelas mulatas e fervor religioso.
O poeta é visto como um dos principais poetas barrocos da época colonial brasileira. A sua vasta produção artística inclui sátiras, poemas líricos e religiosos, espelhando o cenário social, político e cultural de seu tempo. A sua produção artística é caracterizada por sátiras: Críticas ásperas à sociedade, à política, à Igreja e às elites baianas. Poemas líricos: Abordam o amor, a nostalgia e a efemeridade da vida, frequentemente com uma atmosfera melancólica. Poemas religiosos: Considerações acerca do pecado, da redenção e do perdão divino, que evidenciam sua espiritualidade e remorso.
Destaco 6 de seus melhores poemas. Boa leitura!
1. Pequei, Senhor, mas não porque hei pecado
Pequei, Senhor, mas não porque hei pecado
de vossa alta piedade me despido.
Antes quanto mais tenho delinquido,
vos tenho a perdoar mais empenhado.
Se basta a vos irar tanto pecado,
a abrandar-vos sobeja um só gemido;
que a mesma culpa, que vos há ofendido,
vos tem para o perdão lisonjeado.
Se uma ovelha perdida e já cobrada
glória tal e prazer tão repentino
vos deu, como afirmais na sacra história,
eu sou, Senhor, ovelha desgarrada:
cobrai-a, e não queirais, pastor divino,
perder na vossa ovelha a vossa glória.
2. À mesma dona Ângela
Anjo no nome, Angélica na cara,
Isso é ser flor, e Anjo juntamente,
Ser Angélica flor, e Anjo florente,
Em quem, senão em vós se uniformara?
Quem veria uma flor, que a não cortara
De verde pé, de rama florescente?
E quem um Anjo vira tão luzente,
Que por seu Deus, o não idolatrara?
Se como Anjo sois dos meus altares,
Fôreis o meu custódio, e minha guarda
Livrara eu de diabólicos azares.
Mas vejo, que tão bela, e tão galharda,
Posto que os Anjos nunca dão pesares,
Sois Anjo, que me tenta, e não me guarda.
3. Que falta nesta cidade?
Que falta nesta cidade?…………….Verdade
Que mais por sua desonra?………..Honra
Falta mais que se lhe ponha……….Vergonha.
O demo a viver se exponha,
Por mais que a fama a exalta,
numa cidade, onde falta
Verdade, Honra, Vergonha.
Quem a pôs neste socrócio?……….Negócio
Quem causa tal perdição?………….Ambição
E o maior desta loucura?……………Usura.
Notável desventura
de um povo néscio, e sandeu,
que não sabe, que o perdeu
Negócio, Ambição, Usura.
Quais são os seus doces objetos?…. Pretos
Tem outros bens mais maciços?….. Mestiços
Quais destes lhe são mais gratos?…Mulatos.
Dou ao demo os insensatos,
dou ao demo a gente asnal,
que estima por cabedal
Pretos, Mestiços, Mulatos.
Quem faz os círios mesquinhos?…Meirinhos
Quem faz as farinhas tardas?………Guardas
Quem as tem nos aposentos?………Sargentos.
Os círios lá vêm aos centos,
e a terra fica esfaimando,
porque os vão atravessando
Meirinhos, Guardas, Sargentos.
E que justiça a resguarda?………….Bastarda
É grátis distribuída?………………….Vendida
Que tem, que a todos assusta?…….Injusta.
Valha-nos Deus, o que custa,
o que El-Rei nos dá de graça,
que anda a justiça na praça
Bastarda, Vendida, Injusta.
Que vai pela clerezia?………………Simonia
E pelos membros da Igreja?……….Inveja
Cuidei, que mais se lhe punha?…..Unha.
Sazonada caramunha!
enfim que na Santa Sé
o que se pratica, é
Simonia, Inveja, Unha.
E nos frades há manqueiras?………Freiras
Em que ocupam os serões?…………Sermões
Não se ocupam em disputas?………Putas.
Com palavras dissolutas
me concluís na verdade,
que as lidas todas de um Frade
são Freiras, Sermões, e Putas.
O açúcar já se acabou?………………Baixou
E o dinheiro se extinguiu?………….Subiu
Logo já convalesceu?…………………Morreu.
À Bahia aconteceu
o que a um doente acontece,
cai na cama, o mal lhe cresce,
Baixou, Subiu, e Morreu.
A Câmara não acode?……………….Não pode
Pois não tem todo o poder?………..Não quer
É que o governo a convence?……..Não vence.
Que haverá que tal pense,
que uma Câmara tão nobre
por ver-se mísera, e pobre
Não pode, não quer, não vence.
4. Inconstância das coisas do mundo!
Nasce o Sol e não dura mais que um dia,
Depois da Luz se segue a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura,
Em contínuas tristezas e alegria.
Porém, se acaba o Sol, por que nascia?
Se é tão formosa a Luz, por que não dura?
Como a beleza assim se transfigura?
Como o gosto da pena assim se fia?
Mas no Sol, e na Luz falta a firmeza,
Na formosura não se dê constância,
E na alegria sinta-se a tristeza,
Começa o mundo enfim pela ignorância,
E tem qualquer dos bens por natureza.
A firmeza somente na inconstância.
5. O poeta descreve o que era naquele tempo a cidade da Bahia
A cada canto um grande conselheiro,
Que nos quer governar cabana e vinha;
Não sabem governar sua cozinha,
E podem governar o mundo inteiro.
Em cada porta um bem frequente olheiro,
Que a vida do vizinho e da vizinha
Pesquisa, escuta, espreita e esquadrinha,
Para o levar à praça e ao terreiro.
Muitos mulatos desavergonhados,
Trazidos sob os pés os homens nobres,
Posta nas palmas toda a picardia,
Estupendas usuras nos mercados,
Todos os que não furtam muito pobres:
E eis aqui a cidade da Bahia.
6. Despedida do mau governante da Bahia
Senhor Antão de Sousa de Menezes,
Quem sobe ao alto lugar, que não merece,
Homem sobe, asno vai, burro parece,
Que o subir é desgraça muitas vezes.
A fortunilha, autora de entremezes
Transpõe em burro o herói, que indigno cresce:
Desanda a roda, e logo homem parece,
Que é discreta a fortuna em seus reveses.
Homem sei eu que foi Vossenhoria,
Quando o pisava da fortuna a roda,
Burro foi ao subir tão alto clima.
Pois vá descendo do alto onde jazia,
Verá quanto melhor se lhe acomoda
Ser home em baixo, do que burro em cima.