Geraldo Eduardo Ribeiro Carneiro nasceu, “como muitos dos melhores cariocas, em Minas” (ASCHER, 2010,), no ano de 1952, na cidade de Belo Horizonte – um autêntico “mineiroca” (não exatamente como Drummond, ainda que não completamente oposto). Mas, como a citação anterior já fez supor, o encontro com o Rio de Janeiro não tardou: em 1956 Geraldo chegou “desembarcado sem gibão nem bacamarte/ na mui leal cidade de São Sebastião/ do Rio de Janeiro” (CARNEIRO, 2010).
O marco inicial da poesia de Geraldo Carneiro são os anos 70 e, claro, a dicção predominante do momento é a da Poesia Marginal.
Na ABL, ele é o “sexto ocupante da Cadeira 24, eleito em 27 de outubro de 2016, na sucessão de Sábato Magaldi e recebido em 31 de março de 2017 pelo Acadêmico Antonio Carlos Secchin. Geraldo Eduardo Ribeiro Carneiro nasceu em Belo Horizonte, Minas Gerais, em 11 de junho de 1952. Poeta, letrista e roteirista de televisão, teatro e cinema, começou a manifestar interesse pela arte ainda jovem, influenciado pelos muitos escritores e músicos que frequentavam a casa dos seus pais – entre eles, Paulo Mendes Campos, Jacob do Bandolim e Tom Jobim” (site da ABL).
Do livro, Poemas Reunidos de Geraldo Carneiro, apresento 10 poemas significativos. Boa leitura!
- sobre o amor
amor é coisa que se faz a dois
segredo consagrado por um Deus
à sua escolha, a árvore ou a folha
que se despede do país dos ventos
e que acomete esses seus pensamentos
só seus, só meus, só vossos, sempre nossos.
parece papo de carola, cara?
eu sei, e tenho lá meu pedigree
católico apostólico carioca,
que fui lá nos confins da minha infância
e continuo em meu apostolado
ao lado da galera mais surtada,
que ainda crê na arte sendo vida
e vida convertida em vice-versa.
pois eu, se não existisse o tal do amor,
viveria exilado de mim mesmo.
- balada do impostor
sou um impostor, um dia saberão
que simulei tudo o que sempre fui.
sou uma ficção, meu sangue é só linguagem
meu sopro é uma explosão que vem de dentro
em forma de palavra.
quando já não foi mais, serei eu mesmo.
enquanto tardo, trapaceio contra o tempo,
a máquina que vai me devorando,
e vou passando como tudo passa
em busca de uma graça que ultrapasse
o círculo da minha circunstância
o espelho que não seja senão o outro
esse que me habita e que me espreita
e, não sendo eu, me acata os meus espantos
- suma teológica
não aprendi senão a procurar
por trás da rosa a ideia da rosa.
não encontrei sinais da metafisica
a não ser nas graças da amada
e em três ou quatro enigmas,
insígnias de um mistério revelado.
sei que os edifícios se dissolvem,
os corações inventam seus escombros
ou, ao contrário, se alicerçam numa
flor.
em suma, o mundo gira, a flor expande
e qualquer tempo compreende a ideia
do efêmero
e da eternidade.
- poesia épica
às vezes, inimigo de mim mesmo,
lanço-me às feras, queimo meus navios,
declaro guerra a Troia ou a Catargo,
e acabo sempre por amor vencido
- Maldoror
a dor do mundo dói dentro de mim.
ressoam no meu céu todas as dores
de torturados e torturadores.
a dor do amor perdido e reencontrado
as dores do futuro e do passado.
o fado, o enfado, o fardo da existência,
a dor do bardo, a dor de W. Shakespeare,
a dor imensa de Isidore Ducasse,
o espanto de seus cantos Maldoror.
a dor de Dante, da pátria perdida,
o horror supremo de Edgar Allan Poe,
o horror da dor, o horror do nevermore.
o horror de Conrad, pós-apocalíptico,
o horror do crítico, o horror do político.
o horror devastador e democrático.
o horror da acrópole, do bar e dos bas-fond
eu sinto o horror e sei qual é o seu som.
- abaixo a realidade
já recebi a safra da poesia
que me cumpria receber da vida.
vivo instalado no meu minifúndio
(o João Cabral é um latifundiário)
tramando extravagâncias que ainda hei
de cometer ou não,
depende só das dúvidas dos deuses,
por que uma coisa é líquida e incerta:
não há razão por trás da natureza.
Camões falava já do desconcerto
diante das coisas podres deste mundo,
destes poderes ainda cá prestantes
pra nos prestar serviços tão infames.
não vou gastar a minha poesia
celebrando os canalhas do poder.
as musas foram feitas para o sonho,
a dança, a escultura, as coisas belas,
no máximo a volúpia da epopeia.
o resto é resto, terra devoluta
onde esses vermes nunca se revoltam
mas se revolvem nessa lama abjeta.
- III
falo
reviro a
lavra. invento
um nome. invento pa
lavras. a palavra corte
a palavra faca a palavra fio
todo silêncio é um rio. descubro
a palavra medo. o pássaro imita a linha
do meridiano. o peixe é uma flor no prato
hálito floral e chuva. o peixe-pássaro que voe
nas dobras do prato. o mais é espaço vazio de figuras
- teofania e telefonia
o poeta devassa o universo
celebra as galas da galáxia
fabrica ficções concêntricas
(a cosmografia de Copérnico,
a máquina das marés,
o amor que move o sol e as outras
estrelas etc.)
e baila bêbado de absoluto
ao som do foxtrote das esferas
à espera de que Deus, com seu jazz-band,
encante o signo mais insignificante:
uma borboleta, um relâmpago,
o risco coruscante de um cometa;
depois descobre que Deus abdicou
de suas pompas e poderes,
escafedeu-se, foi passar o verão
nalgum balneário além do Bem e do Mal;
não lhe deixou recado depois do sinal
- navegações (2)
meu coração inventa seus abismos
à revelia do que eu queira ser.
surfo nas águas desse não saber
em que me lanço por navegações
que não supunha minhas.
amar é o mar em que me precipito
e sonho ser mais vasto do que sou.
a solidão é só a miragem-cais
onde se ancora o coração
em busca do que é nunca e não
- pequenas ocupações da poesia
a procura da palavra mágica
a contrassenha do apocalipse
o codinome do diabo os esconjuros
as juras aquém-além palavra amor
e outros monstros inomináveis
Iracema é anagrama de América
termo é anagrama de morte
dog, em inglês, é o contrário de deus