Afonso Mendes de Besteiros

Afonso Mendes de Besteiros, provavelmente nascido em São Cosme de Besteiros, perto de Paredes, na área do Sousa, foi um trovador português do século XIII. Supõe-se que ele tenha estado envolvido nas campanhas militares de D. Afonso X, rei de Leão e Castela, que, após a queda de D. Sancho II, que apoiava, foi exilado em Castela após a vitória de D. Afonso III ascendeu ao trono de Portugal.

Luis Gaspar, no livro Coletânea de Poesia Portuguesa, afirma que “Afonso Mendes de Besteiros esteve ao lado do malogrado rei no conflito que levou à sua deposição, podendo mesmo tê-lo acompanhado no seu exílio em Toledo (1248). Tenha sido esse ou não o contexto, o que parece certo é ter frequentado a corte castelhana, como se depreende da sátira (que vamos ouvir) contra um cavaleiro em fuga dos campos de batalha da Andaluzia. Para além das suas cantigas e dos documentos referidos, não há, no entanto, pelo menos até ao momento, nenhuma outra indicação que nos permita clarificar um pouco melhor a sua biografia”.

O sobrenome “de Besteiros” sugere ligação à região de Besteiros, atual freguesia no município de Tondela, centro de Portugal.

 

            Obra do Autor:

A sua obra preservada inclui catorze composições:

Nove canções de amor,

Duas de amigo,

Uma de escárnio e maldizer,

Duas sátiras políticas.

 

               O que é ser trovador?

Ser trovador, no contexto da Idade Média ibérica (especialmente nos séculos XII a XIV), era exercer o papel de poeta-músico que compunha e interpretava obras líricas em galego-português, integrando-se na rica tradição da lírica trovadoresca galego-portuguesa. Os trovadores eram artistas ligados às cortes nobres, combinando habilidades poéticas, musicais e, muitas vezes, uma posição social privilegiada.

Clarice Zamonaro Cortez afirma que a poesia trovadoresca floresceu num período de intenso controle da moral e do comportamento da sociedade dos séculos XI ao XIV. Essa poesia pode ser estudada, além dos aspectos literários, como subsídio histórico capaz de esclarecer uma grande parte desse período pleno de contrastes. O amor como motivo maior dessa poesia é marca absoluta das cantigas de amigo por ser um sentimento, na opinião de muitos autores, que só à mulher convinha.

A relação entre a mulher e o amor nas cantigas se dá de forma tão estreita que ambos constituem um universo de constantes provações diante de toda estruturação social e religiosa. Esse sentimento, em outras palavras, mesmo quando o trovador finge os sentimentos femininos não deixa de representar, com grande realismo, as convencionalidades formadoras das instituições medievais.

 

          Tipos de Cantigas:

  • Cantigas de Amor: O eu lírico (geralmente um homem) expressa sofrimento por um amor não correspondido.
  • Cantigas de Amigo: Escritas do ponto de vista feminino, mostram a saudade e espera pelo amado.
  • Cantigas de Escárnio e Maldizer: Poemas satíricos que criticavam pessoas ou costumes, algumas vezes de maneira velada (escárnio) ou explícita (maldizer).

Eis alguns poemas desse grande trovador, apresento 4 poemas significativos. Boa leitura!

 

  1. Dom Fulano

Dom Fulano que eu sei

que tem fama de ágil,

vedes que fez na guerra

(disto sou certíssimo):

só de ver os ginetes,

como boi que fere moscardo,

sacudiu-se e revolveu-se,

alçou rabo e foi-se

a Portugal.

 

Dom Fulano que eu sei

que tem fama de ligeiro,

vedes que fez na guerra

(disto sou verdadeiro)

só de ver os ginetes,

como bezerro tenreiro,

sacudiu-se revolveu-se,

alçou rabo e rumou

a Portugal.

 

Dom Fulano que eu sei

que tem mérito de ligeireza

vedes que fez na guerra

(sabei-o por verdade):

só de ver os ginetes,

como cão que sai de prisão,

sacudiu-se revolveu-se,

alçou rabo e foi-se

a Portugal.

 

Ouça o poema: https://www.estudioraposa.com/poetas-medievais/affonso_m_beesteiros_don_fulano.mp3

 

  1. Coitado vivo

(Poema no português moderno)

Infeliz vivo, há muito tempo,
que nunca vi homem tão aflito
viver no mundo desde que nasci.
E embora minhas dores sejam muitas,
não desejaria outro bem neste mundo
senão poder negar quem tanto amo!

 

Vivo angustiado no meu coração,
e vivo no mundo sem nenhum prazer,
e minhas dores não ouso dizer.
E, meus amigos, se Deus me perdoar,
não desejaria outro bem neste mundo
senão poder negar quem tanto amo!

E de tanto chorar, meus olhos se esgotariam,
e talvez pudesse perder
as dores que Deus me faz sofrer.
E, meus amigos, que Deus me ajude,
não desejaria outro bem neste mundo
senão poder negar quem tanto amo!

E ao negá-lo, eu pensaria, sim,
em perder as dores e o mal que me aflige!

Coitado vivo

(Poema no português antigo)

Coitado vivo, há mui gram sazom,

que nunca home tam coitado vi

viver no mundo, des quando naci.

E pero x’as mias coitas muitas som,

nom querria deste mundo outro bem

s enom poder negar quem quero bem!

 

Vivo coitado no meu coraçom,

[e] vivo no mundo mui sem prazer,

e as mias coitas nom ouso dizer.

E meus amigos, se Deus mi perdom,

nom querria deste mundo outro bem

senom poder negar quem quero bem!

 

E de chorar quitar-s’-iam os meus

olhos e poderia en perder

as coitas que a mim Deus faz sofrer.

E meus amigos, se mi valha Deus,

nom querria deste mundo outro bem

senom poder negar quem quero bem!

 

E per negá-lo eu cuidaria bem

a perder coitas e mal que mi vem!

 

3.  Minha mãe, venho-vos rogar,

Minha mãe, venho-vos rogar,
como roga filha a sua senhora:
aquele que morre por mim de amor,
deixai-me ir com ele falar.

Quanta dor ele sofre, eu sei,
e sei que toda é por minha causa.

 

E sois cruel e desmedida,
pois não quereis ter piedade
do meu amado, que vejo morrer,
e eu, desolada, sofro em dor.

Quanta angústia ele carrega,
sei que toda é por minha causa.

 

Eu o verei, por minha boa fé,
e lhe direi tamanha alegria,
pela qual deve me agradecer,
pois sua dor logo será a minha.

Quanta angústia ele carrega,
sei que toda é por minha causa.

 

4. Falso Amigo

Falso amigo, por minha boa fé,
sei que desejais bem a outra mulher,
e por mim não senteis mais nada,
pois assim é,
o que mais fazeis é partir daqui,
cobrir outra, mas não a mim.

 

Porque noutro dia vos encontrei
a falar no vosso nome, não em alto,
com outra, e me fez muito mal,
mas, pois que sei a verdade,
o que mais fazeis é partir daqui,
cobrir outra, mas não a mim.

 

E quando eu vos vi falar
com outra, logo percebi,
que sois dela, e não meu,
mas quero desenganar-vos:
o que mais fazeis é partir daqui,
cobrir outra, mas não a mim.

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