Meu professor falava sobre poesia na sala, conceitos, Aristóteles, poesia, poema, versos… Lá pelas tantas, ele citou Manoel de Barros. Eu estava meio sonolento, mas foi a primeira vez que ouvi sobre esse poeta.
Alguns momentos depois, o professor retoma a Manoel de Barros e assegura que o livro mais encantador que havia lido era desse poeta, era O Livro sobre nada. Fiquei curioso, como assim um livro sobre nada. Fui à biblioteca e pude ler um dos melhores livros que já li sobre poesia e de poesia.
Matéria de poesia é um livro de respostas para os ansiosos para escrever poesia. Mas as respostas só levantam perguntas e, por vezes, ao menos para mim, o questionamento: Só isso? Simples assim? Por exemplo. Um poeta ávido por respostas, pergunta: __ O que é a matéria de poesia, Manoel? E ele, pleno, responde: __ O que é bom para o lixo é bom para a poesia. Tudo aquilo que a nossa civilização rejeita, pisa e mija em cima, serve para poesia.
Manoel de Barros
O poeta Manoel de Barros (1916-2014) compôs mais de vinte livros, publicados entre os anos de 1937 e 2011. Ele nasceu na região do pantanal do Brasil, filho de fazendeiros, formou-se em direito, mas foi na poesia que se encontrou. Ele estreia na literatura no ano de 1937, com a publicação do livro “Poemas Concebidos sem Pecado”.
O próprio Manoel escreve sua autobiografia em vários poemas, eis aqui dois exemplos:
AS BÊNÇÃOS
Não tenho a anatomia de uma garça pra receber
em mim os perfumes do azul.
Mas eu recebo.
É uma bênção. (…)
Até alguém já chegou de me ver passar
a mão nos cabelos de Deus!
Eu só queria agradecer. (Manoel de Barros, O fazedor de amanhecer, 2001)
“Você vai encher os
Vazios com as suas
PERALTAGENS
E algumas pessoas
Vão te amar por seus despropósitos” (Manoel de Barros, 1999)
A poesia de Manoel é uma das mais originais da língua portuguesa. Ele cria beleza a partir do traste, do trivial, do nada. Adalberto Jr afirma que em Matéria de poesia o leitor encontrará “muita matéria de poesia e muita poesia. Matéria para um novo aprendizado das coisas. Poesia para ver o mundo pelo avesso, e o avesso pelo mundo”.
O que é matéria de poesia?
Tudo. Essa é a resposta do poeta. Tudo é matéria de poesia. Basta tirar as linhas dos olhos. Para achar a poesia, é preciso ter olhos livres.
O homem que possui um pente
E uma árvore
Serve para a poesia.
A poesia está em tudo e em todos, é preciso ser achada, cavoucada. Até o traste serve para poesia, sim. O traste é ótimo, ele afirma de sorriso aberto.
Para ‘entender’ a poesia de Manoel de Barros é preciso lhe conhecer a mente, suas fontes. Por exemplo, de Rimbaud, poeta francês, ele colheu o seguinte verso: Perder a inteligência das coisas para vê-las.
Na mente poética de Barros, as coisas não querem ser vistas como são, é preciso perder a inteligência das coisas. As vezes, a mesa quer ser vista como cadeira, qual o problema? Se você não ousar perder a inteligência das coisas, jamais compreenderá o alicate cremoso e jamais verá o lodo das estrelas ou o coração verde dos pássaros.
Você já morou na roça? Já acendeu fogo no fogão a lenha? Já acendeu fogo com lenha molhada? Eu respondo sim para as três perguntas. Mas você já acendeu estrela com lenha molhada? Manoel responde sim. Os meninos que ele viu, botavam meias-solas nas paisagens e acendiam estrelas com lenha molhada, esses meninos também secavam palavras no sol.
Além de Matéria de Poesia
O livro é dividido em três partes: Matéria de poesia; Com os loucos de água e estandarte e Aproveitamentos de materiais e passarinhos de uma demolição.
Manoel também é poeta do amor, com um verso meio largado no poema, ele transmite uma verdade singular que precisa de anos de psicologia para analisar.
O que é feito de pedaços precisa ser amado!
Ele solta esse verso e volta a falar de coisas que saíram de seu lugar, palavras que escapuliram de sua semântica. Como João, ele soltou a bomba, botou o rio no bolso e saiu correndo.
Manoel não fala de amar a pessoa inteira. Ele fala de amar os pedaços. Amar o inteiro é fácil, é fácil de achar. Amar o que feito de pedaços dá mais trabalho. Nem sempre se junta os pedaços da mesma coisa. Isso faz-nos lembra de um outro poeta que dizia: não vim para os sãos, vim para os doentes.
Os doentes precisam ser amados, curados; assim como os que são feitos de pedaços.
Ouça o livro Matéria de Poesia no link abaixo:
https://www.youtube.com/watch?v=-QAddQwDzLc&t=76s