Melhores poemas de Antonio Cicero

Antonio Cicero Correia Lima nasceu no Rio de Janeiro, no dia 6 de outubro de 1945. Ele é compositor, poeta, crítico literário e filósofo. Cicero é filho dos piauienses Amélia Correia Lima e Ewaldo Correia Lima. Seu pai foi um dos intelectuais fundadores do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), tendo sido também diretor do BNDE durante o governo JK.

No que tange a formação de Cicero, o site da ABL afirma que ele “começa a cursar filosofia na PUC do Rio de Janeiro e, depois, no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ. Em 1969, devido a problemas políticos, vai para Londres, onde conclui o curso de filosofia na Universidade de Londres. Em 1976, Cicero vai fazer pós-graduação na Georgetown University, nos Estados Unidos, onde estuda grego e latim, o que lhe permitirá ler no original clássicos como Homero, Píndaro, Horácio e Ovídio. Posteriormente lecionará Filosofia e Lógica, em universidades do Rio de Janeiro”.

 

LIVROS DE ANTONIO CICERO

O mundo desde o fim, 1995

Guardar, 1996

A cidade e os livros 2002

Finalidades sem fim, 2005

Livro de sombras: pintura, cinema e poesia, em parceria com Luciano Figueiredo, 2010

Poesia e filosofia, 2012

Porventura, 2012

A poesia e a crítica — Ensaios, 2017

O eterno agora, 2024

 

1. Guardar

Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la. Em cofre não
se guarda coisa alguma. Em cofre perde-se a coisa à vista.
Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por admirá-la, isto
é, iluminá-la ou ser por ela iluminado.
Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por ela, isto é,
velar por ela, isto é, estar acordado por ela, isto é, estar por ela
ou ser por ela.
Por isso melhor se guarda o voo de um pássaro
Do que pássaros sem voos.
Por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica, por isso se
declara e declama um poema:
Para guardá-lo:
Para que ele, por sua vez, guarde o que guarda:
Guarde o que quer que guarda um poema:
Por isso o lance do poema:
Por guardar-se o que se quer guardar.

 

Ouça o poema na voz de Cicero: https://www.youtube.com/watch?v=1B-skA5-Ad0

 

2. Canção do amor impossível

Como não te perderia
se te amei perdidamente
se em teus lábios eu sorvia
néctar quando sorrias
se quando estavas presente
era eu que não me achava
e quando tu não estavas
eu também ficava ausente
se eras minha fantasia
elevada à poesia
se nasceste em meu poente
como não te perderia

Ouça o poema: https://www.youtube.com/watch?v=puHw8QCr5x8

 

3. O país das maravilhas
Não se entra no país das maravilhas
pois ele fica do lado de fora,
não do lado de dentro. Se há saídas
que dão nele, estão certamente à orla
iridescente do meu pensamento,
jamais no centro vago do meu eu.
E se me entrego às imagens do espelho
ou da água, tendo no fundo o céu,
não pensem que me apaixonei por mim.
Não: bom é ver-se no espaço diáfano
do mundo, coisa entre coisas que há
no lume do espelho, fora de si:
peixe entre peixes, pássaro entre pássaros,
um dia passo inteiro para lá.

 

4. Teofania

Sabe-se que um deus só vem porque quer
e que é capaz de desaparecer
a seu bel-prazer, por mero capricho.
Nisso ele se assemelha mais a um bicho

selvagem, feito serpente ou veado,
do que a gente. Uns são intempestivos.
É no momento menos indicado
que nos capturam e mantêm cativos.

Assim é o Amor, por exemplo. Não
há quem não reconheça a divindade
de tal deus. Não: os próprios cristãos dão
a mão à palmatória e têm saudade

do realismo do mundo pagão
quando o veem chegar como quem não quer
nada e ofuscar tudo. Outros são
diferentes. Todos vêm por prazer,

isso é claro mas, por exemplo, o Sono
não deixa de abraçar-nos todo dia
enquanto somos jovens: dir-se-ia
ser nosso escravo e não suave dono.

Mas isso não se deve nem pensar
pois se ele ouvir o nosso pensamento
e resolver provar-nos a contento
ser mesmo deus, desaparecerá,

pois que ele é deus mostra-o nem tanto o fato
de que vem sem ser chamado e escraviza,
em teatros, aulas, ônibus, vigílias,
o desejo que almeja dominá-lo

quanto a própria insônia, teofania
negativa do Sono, quando somem
as doces nuvens e as torres macias
do príncipe dos deuses e dos homens

e não se abrem as águas da lagoa
ou os portões de chifre ou de marfim
e nossa imaginação se esboroa
em prosa e a noite cansa até o fim.

Não se iludam. Nem o mais poderoso
dos soporíferos substituiria
ver abolirem-se as categorias
pela espontânea ação de um deus gasoso.

Tais deuses só na velhice sabemos
o que são. O jovem nem desconfia
ser divino o próprio Tesão ou mesmo,
tremo só de lembrar, a Poesia.

 

5. Auden e Yeats

Eu exaltaria Auden,
viajante atormentado,
dialético e bizarro,
e lhe faria uma ode
se a tanto minha perícia
e minha audácia bastassem.

 

Ou quem sabe, Yeats, numa tarde
feito esta, tão vadia,
possa a leitura da tua
poesia, pura Musa,
inspirar a minha arte
se eu lhe implorar: Poesia,
na prisão destes meus dias
ensina-me a elogiar-te.

 

6. Templo

Para que as Musas residentes lá no Olimpo

façam meus poemas palavras que desejem,

eu que, à sombra de um deus muito mais triste, habito

a fralda de uma montanha muito mais verde,

 

declaro não serem os versos que escrevo obras

de arte mas bases, paredes e donaires

de templos construídos com mãos e com sobras

de paixões, mergulhos, fodas, livros, viagens

 

(precário material com o qual é elaborado

tudo o que merece aspirar a eterna glória)

e — ainda com os seus andaimes — os consagro

a elas, às filhas alegres da Memória,

 

deusa que não é, como querem crer os néscios,

a guardiã do passado, com o qual pouco

se importa, mas antes a que nos oferece o

esquecimento quando canta o imorredouro.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima