Os sete melhores poemas de Cecília Meireles

A poetisa Cecília Meireles nasceu no Rio de Janeiro em 7 de outubro de 1901, oriunda de uma família de ascendência portuguesa. Cecília iniciou sua carreira poética ainda jovem, lançando seu primeiro livro de poesia, “Espectros” (1919), aos 18 anos. A poesia de Cecília Meireles é caracterizada por um anseio incessante pela transcendência, pela ponderação acerca da condição humana e pela beleza musical de seus versos. Ela investigava a solidão, a natureza, o tempo e a morte, bem como assuntos mais existenciais, como a procura de um propósito e a conexão entre o ser humano e o cosmos.

 

Alguns de seus livros:

Espectros de 1919;

Romanceiro da Inconfidência de 1953;

Ou Isto ou Aquilo de 1962;

Mar Absoluto de 1945.

Destaco aqui, apenas, 7 de seus grandes poemas. Boa leitura.

 

1. Canção

Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
– depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar

Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre de meus dedos
colore as areias desertas.

O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio…

Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.

Depois, tudo estará perfeito;
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.

 

2. Motivo

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
– não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
– mais nada.

 

3. Ou isto ou aquilo

Ou se tem chuva e não se tem sol,
ou se tem sol e não se tem chuva!

Ou se calça a luva e não se põe o anel,
ou se põe o anel e não se calça a luva!

Quem sobe nos ares não fica no chão,
quem fica no chão não sobe nos ares.

É uma grande pena que não se possa
estar ao mesmo tempo nos dois lugares!

Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,
ou compro o doce e gasto o dinheiro.

Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo…
e vivo escolhendo o dia inteiro!

Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranquilo.

Mas não consegui entender ainda
qual é melhor: se é isto ou aquilo.

 

4. Retrato 

Eu não tinha este rosto de hoje,
Assim calmo, assim triste, assim magro,
Nem estes olhos tão vazios,
Nem o lábio amargo.

 

Eu não tinha estas mãos sem força,
Tão paradas e frias e mortas;
Eu não tinha este coração
Que nem se mostra.

 

Eu não dei por esta mudança,
Tão simples, tão certa, tão fácil:
— Em que espelho ficou perdida
a minha face?

 

5. Reinvenção

A vida só é possível
reinventada.

Anda o sol pelas campinas
e passeia a mão dourada
pelas águas, pelas folhas…
Ah! tudo bolhas
que vem de fundas piscinas
de ilusionismo… — mais nada.

Mas a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.

Vem a lua, vem, retira
as algemas dos meus braços.
Projeto-me por espaços
cheios da tua Figura.
Tudo mentira! Mentira
da lua, na noite escura.

Não te encontro, não te alcanço…
Só — no tempo equilibrada,
desprendo-me do balanço
que além do tempo me leva.
Só — na treva,
fico: recebida e dada.

Porque a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.

 

6. A língua do Nhem

Havia uma velhinha
que andava aborrecida
pois dava a sua vida
para falar com alguém.

 

E estava sempre em casa
a boa velhinha
resmungando sozinha:
nhem-nhem-nhem-nhem-nhem-nhem…

 

O gato que dormia
no canto da cozinha
escutando a velhinha,
principiou também

 

a miar nessa língua
e se ela resmungava,
o gatinho a acompanhava:
nhem-nhem-nhem-nhem-nhem-nhem…

 

Depois veio o cachorro
da casa da vizinha,
pato, cabra e galinha
de cá, de lá, de além,

 

e todos aprenderam
a falar noite e dia
naquela melodia
nhem-nhem-nhem-nhem-nhem-nhem…

 

De modo que a velhinha
que muito padecia
por não ter companhia
nem falar com ninguém,

 

ficou toda contente,
pois mal a boca abria
tudo lhe respondia:
nhem-nhem-nhem-nhem-nhem-nhem…

 

7. Serenata

Repara na canção tardia

que timidamente se eleva,

num arrulho de fonte fria.

 

O orvalho treme sobre a treva

e o sonho da noite procura

a voz que o vento abraça e leva.

 

Repara na canção tardia

que oferece a um mundo

desfeito sua flor de melancolia.

 

É tão triste, mas tão perfeito,

o movimento em que murmura,

como o do coração no peito.

 

Repara na canção tardia

que por sobre o teu nome,

apenas, desenha a sua melodia.

 

E nessas letras tão pequenas

o universo inteiro perdura.

E o tempo suspira na altura

 

por eternidades serenas.

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